quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A USINA DE GERAÇÃO DE ENERGIA COM BASE NO LIXÃO DA ESTRUTURAL

A parceria público-privada do GDF com uma empresa holandesa para construção de uma usina de geração utilizando o lixo que vai para o lixão da Estrutural é um profundo equívoco, tanto por parte da empresa holandesa que acredita que a gravimetria do lixo em Brasília é similar a da Holanda devido ao elevado nível de renda médio per capita do DF, como por parte do GDF que acredita que vai obter energia barata dessa usina.

Além de tirar o único ganha-pão de quase 2 mil catadores, vai queimar matéria prima reciclada de alto valor de mercado e que consome apenas 4% da energia necessária para a industrialização dos produtos finais quando fabricados com as resinas virgens ou matérias primas como os plásticos, a celulose, a pasta de madeira, o vidro e os metais.

O balanço de energia, se considerados esses fatores e o custo de oportunidade mostram a inviabilidade econômica desse projeto. Copiar tecnologias dos países desenvolvidos é por vezes uma solução lógica, pois não se deve tentar reinventar a roda, mas muitas vezes as características próprias desses países impedem uma replicação, como no caso presente. Na Holanda a gravimetria do lixo doméstico mostra uma participação do lixo orgânico de 35%, uma situação bem diferente do DF, onde o lixo orgânico responde por quase 60% do peso total e tem uma umidade de 80%, o que devido a sua umidade tem um poder calorífico inferior PCI muito baixo da ordem de 900 Kcal/kg. Outro equivoco é achar que a o lixo doméstico é de 2,4 kg/hab./ano como noticiado, pois essa quantidade se refere à totalidade dos resíduos sólidos, onde o lixo doméstico é de apenas 0,8 kg/hab./ano sendo o restante principalmente entulho de obra.


Por outro lado, a tecnologia proposta pela empresa holandesa está longe de ser uma solução aceita sem controvérsia. Segundo o Professor Dr. Paul Connett,[1] titular de Química da Universidade de St. Lawrence de Canton, New York, que nos 14 anos passados foi pesquisador em soluções para o gerenciamento de lixo com ênfase nos perigos da incineração e nas soluções mais seguras e sustentáveis das alternativas de não queima:

Longe de ser uma tecnologia universalmente provada como asseguram seus promotores, a incineração de lixo doméstico com recuperação da energia tem sido uma experimentação, que depois de 20 anos deixou os cidadãos dos países industrializados com a herança de altos níveis inaceitáveis de dioxina e seus compostos em seus alimentos, seus tecidos, seus bebês e na vida selvagem. Entretanto, mesmo que estas preocupações venham a ser superadas, conforme evoluamos no século XXI, o papel da incineração do lixo, com ou sem recuperação da energia, se tornará cada vez menos viável, econômica e ambientalmente. Aqueles que estiveram preocupados fazendo uma incineração segura desperdiçaram sua ingênua engenharia na questão errada. A tarefa da sociedade não é aperfeiçoar a destruição do nosso lixo, mas achar meios de evitar isso. O argumento que queimando lixo pode ser usado para recuperar energia é bom para promoção de vendas, mas a realidade é que poupar energia é que o objetivo, então mais energia pode ser poupada pela sociedade como um todo pelo reuso e reciclagem dos objetos e materiais, do que a recuperado pela queima deles.”

Ao contrário de imaginar que copiando soluções dos países do primeiro mundo estaremos utilizando tecnologias do século 21, é preciso atentar para o fato de que na verdade estamos utilizando tecnologia do século 19, pois a primeira usina foi construída em Hamburgo na Alemanha em 1895. Vários estudos econômicos utilizando o critério de custo de oportunidade mostram com clareza a inviabilidade dessa solução, afora o custo social de tirar o sustento de milhares de famílias de catadores.

Ao invés de investir R$ 500 milhões nessa usina, o GDF faria melhor em investir apenas R$ 7,5 milhões pode construir 7 usinas de triagem integral com produção de biogás do lixo orgânico e venda do lixo seco aos preços de mercado, dando ocupação para 4.500 famílias de catadores das cooperativas e poupando 5 vezes mais energia do que seria consumida na produção das matérias primas que foram economizadas, e ainda estaria contribuindo para uma solução que atenda os objetivos da Lei n° 12.305 da Política Nacional de Resíduos Sólidos que sustenta a necessidade de soluções que contemplem os catadores de materiais recicláveis e sua cooperativas.

Finalmente um cálculo simples mostra que utilizando-se as 2.000 t/dia para incinerar para produção de energia produziria 278.130 Mwh/ano[2] e jamais o 1 milhão de Mwh/ano esperado pela empresa, o que permitiria atender no máximo 20.167 residências instaladas em média com 1,5 Kw, que ao preço do Kwh no DF, resultaria em R$ 87,9 milhões, enquanto pela simples reciclagem aos preços de mercado de reciclados resultariam em R$172,7 milhões.

O balanço energético também é altamente desfavorável à incineração, considerando-se: uma tonelada de papel reciclado poupa 22 árvores do corte, consome 71% menos energia; para cada garrafa de vidro reciclada é economizado energia elétrica suficiente para acender uma lâmpada de 100 Watts durante quatro horas de energia elétrica e representa uma poluição 74% menos do que na mesma quantidade, e mostra as vantagens desse processo, 7,4% de energia economizada, 90% de materiais brutos economizados, 86% de redução na poluição do ar, 40% de redução no consumo de água, 76% de redução na poluição da água, 97% de redução nos lixos das minerações.

Analisados todos esses fatores além do grave problema da liberação da dioxina que pode produzir câncer na população como foi verificado em Columbus, Ohio e em Lisle na França, onde em 1998 foram fechadas 3 usinas de incineração devido a problemas com a dioxina, e sabendo-se que a alta temperatura de queima não resolve o problema da dioxina, não há porque o GDF insistir nessa usina.


[1] Dr. Paul Connett is a full and tenured professor of chemistry at St. Lawrence University in Canton, New York, where he has taught for 15 years. He obtained his undergraduate degree in natural sciences from Cambridge University and his Ph.D. in chemistry from Dartmouth College in the US. For the past 14 years he has researched waste management issues with a special emphasis on the dangers posed by incineration and the safer and more sustainable non-burn alternatives.

[2] Veja-se, Luiz Claudio Ribeiro Galvão; Marco Antonio Saidel; Fernado Selles Ribeiro; Miguel Edgar Morales Udaeta em “Energia de resíduos sólidos como mecanismo de desenvolvimento limpo”, GEPEA - USP. Grupo de Energia do Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, n. 4. Enc. Energ. Meio Rural 2002.


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