quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O LIXO URBANO: UM TESOURO SOCIAL

Fiquei muito impressionado ao constatar que publicamente uma moderna Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos – RSU é algo desconhecido. Recentemente um consultor da ONU declarou na TV Record que o lixo é uma inesgotável riqueza. Como sou especialista no assunto e tenho exatamente a mesma opinião achei necessário fazer estes esclarecimentos.

Primeiramente gostaria de fazer duas assertivas:
a) A queima dos RSU é um recurso de ultima instância e além significar um desperdício de energia, tanto pelo elevado teor de umidade dos resíduos orgânicos como por queimar resíduos que se reciclados significam uma enorme economia de energia, produz muitos gases tóxicos que atentam o meio ambiente.
b) As sacolas de supermercado de PEBD podem ser completamente recicladas o que significa economia de energia e somente o desconhecimento de uma gestão adequada de RUS justifica a campanha que se move contra ela.

A tecnologia de disposição dos resíduos sólidos urbanos – RSU indicada em quase todo o mundo é o aterro sanitário ou o aterro controlado. Ainda que não seja uma solução plenamente aceitável sob o ponto de vista ambiental e sanitário é a única que tem sido praticada nos grandes centros urbanos no Brasil, nos EUA e na Europa.

Devido ao alto custo do investimento e a escala mínima exigida para a implantação de aterros sanitários, a maior parte das cidades somente se utilizam dos “lixões” a céu aberto, fonte de graves prejuízos ao meio ambiente, à saúde e à qualidade de vida da população e de onde tira seu sustento a maior parte das 800 mil famílias de catadores existentes no Brasil.

Nos grandes centros urbanos os aterros sanitários se encaminham rapidamente para esgotamento e áreas enormes de custo elevadíssimo são tomadas da natureza a distâncias cada vez maiores, que significam custos cada vez maiores de transporte. As carretas de transporte estão indo para aterros a 50 km de distância e o crescimento das áreas metropolitanas somente faz prever distâncias cada vez maiores.

A preocupação da sociedade e dos organismos públicos e privados dedicados ao problema do lixo urbano, tem sido de cooptar a população através da conscientização e da educação para organizar a disposição, já a partir de sua geração para facilitar e possibilitar a sua reciclagem e geração de renda de cerca de 10% do catadores de lixo envolvidos de alguma forma na coleta e disposição desses resíduos. Essas ações compreendem o que se conhece por “coleta seletiva”, defendida quase que unanimemente aqui no Brasil como a solução ideal para a defesa do meio ambiente.

A situação atual, entretanto, mostra um quadro muito distante da solução ideal de “coleta seletiva” proposta e aceita em geral pela população, resultando num quadro assustador de antropia na maior parte do país, além de deixar de fora da solução 50% desses resíduos, constituídos pelos resíduos orgânicos.

Vale ressaltar ainda que é uma solução importada dos países industrializados onde o elevadíssimo custo da mão de obra e alto nível de renda não permite a triagem manual e a triagem mecanizada, além de muito cara ainda é muito ineficaz Nós temos 800 mil famílias sem qualquer tipo de renda a não ser o lixo reciclado através de intermediários das recicladoras, que exploram essa população formando verdadeiras máfias.

Os aterros sanitários, por falta de opções tecnológicas são considerados como ambientalmente satisfatórios, porém, a realidade da contaminação dos aqüíferos por metais pesados, a degradação dos aqüíferos freáticos pelo chorume vêm mostrando que apenas posterga-se um desastre ambiental. A degradação ambiental provocada pela disposição inadequada do lixo pode comprometer seriamente os recursos hídricos, inclusive para abastecimento doméstico, em alguns casos, de forma irreversível. É também um dos fatores associados ao retorno de epidemias de doenças como dengue e febre amarela.

O Brasil enfrenta problemas sociais, ambientais e econômicos que podem ser minimizados pela utilização de novas tecnologias de reciclagem, principalmente aquelas relacionadas à ausência completa ou parcial da coleta seletiva de resíduos sólidos em diversas cidades.

A presença de catadores nesses lixões, com adultos e crianças se alimentando dos restos de comida e sobrevivendo da separação e comercialização dos materiais recicláveis presentes no lixo urbano é um quadro socialmente inaceitável. Essas pessoas trabalham e muitas vezes vivem nesses locais, sob condições extremamente precárias, sujeitas a todo tipo de contaminação e doenças. Além disso, o potencial de reciclagem do material coletado nessas condições é precário, devido ao alto índice de mistura com outros resíduos, sendo por isso comercializado por valores inferiores aos valores pagos no mercado.

O domínio da cadeia produtiva por parte do atravessador (os donos de depósitos de lixo), a dispersão dos catadores devido à ausência de organização social da categoria, as péssimas condições de vida dos catadores e suas famílias são alguns dos problemas que desafiam a sociedade e os órgãos de governo a tomarem medidas que superem essas dificuldades.

Atualmente, o Mercado de Reciclagem é um dos setores econômicos que mais cresce no mundo, sendo que em 2008 movimentou cerca de 10 bilhões de reais no Brasil.

No Brasil, aproximadamente 51% das embalagens de PET pós-consumo foram efetivamente recicladas em 2006, 193,9 mil toneladas das 378 mil t produzidas. As garrafas são recuperadas principalmente através de catadores, além de fábricas e da coleta seletiva operada por municípios. Sua reciclagem, além de desviar lixo plástico dos aterros, utiliza apenas 0.3% da energia total necessária para a produção da resina virgem.

O Brasil produz em média 890 mil toneladas de embalagens de vidro por ano, usando cerca de 45% de matéria-prima reciclada na forma de cacos. Em São Paulo o peso do vidro corresponde a 1,5 % do total do lixo urbano. A cada 10% de caco reciclado, reduz-se em média 4% o consumo de energia nos fornos. A dificuldade em obter sucata faz com que o índice de reciclagem de vidro esteja estagnado em 45% há três anos.

No caso do papel 47% do que circulou no País em 2006 retornou à produção através da reciclagem. Esse índice corresponde à aproximadamente 1,332 milhões de toneladas de papel de escritório. No Brasil, a disponibilidade de aparas de papel é grande. Mesmo assim, as indústrias precisam periodicamente fazer importações de aparas para abastecer o mercado. (aparas é o nome do produto reciclado).

A ironia da questão pode ser vista no artigo “EM FALTA, SUCATA FICA MAIS CARA PARA INDÚSTRIA” Jornal Valor Econômico - Especial - 15/2/2008 - São Paulo - SP: “A reutilização de materiais recicláveis - alumínio, papel, vidro e plástico - começou como uma atividade marginal na economia. Hoje, contudo, a sucata ganhou uma importância para a indústria que não parece compatível com a informalidade dos catadores de papelão e de latinhas de cerveja que circulam pelas cidades. Com a falta de uma coleta eficiente e a entrada de novos compradores, a indisponibilidade de materiais recicláveis no mercado nacional tem inflacionado os preços e desafiado as empresas que já incorporaram o uso de matéria-prima reciclada à produção, seja pela economia de custo com energia, seja pela maior oferta de fornecedores.” “Faltou lixo para atender ao aumento da produção, e o preço da caixa de papelão - o produto final - cresceu em média 17,6%, segundo levantamento da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa).” “No ano passado, a importação de aparas aumentou 115% em relação a 2006. Foram 28 mil toneladas de papel para reciclar entrando no país para cobrir o déficit causado pela ausência de coleta seletiva frente a 13 mil toneladas em 2006.” “Mesmo para quem usa alumínio (que alcança níveis de reciclagem em torno de 95% ), falta material. O aumento da importação em 2007 ajudou a amenizar a pressão inflacionária de demanda. São recicladas por ano cerca de 140 mil toneladas de latinhas de alumínio. Em 2007, as importações do material chegaram a 104 mil toneladas, quase o dobro de 2006, quando entraram no país 55 mil toneladas.” “Desde o segundo semestre do ano passado o preço da garrafa PET não é mais competitivo em relação à resina virgem. Mesmo o preço não sendo o mais atrativo, a resina reciclada continua como a opção preferida de muitas empresas. São recicladas hoje 51% das PETs fabricadas no país. O que tem impedido esse índice de crescer com mais força é a falta de coleta. Segundo a Associação Brasileira da Indústria do PET (Abipet), as recicladoras trabalham com 40% de ociosidade, e diferente do papel, a sucata de PET não pode ser importada.”

Novas tecnologias e práticas vêm sendo desenvolvidas e que devem ser implantadas pelas sociedades para minimizar os impactos sócio-ambientais e reduzir o custo da gestão de resíduos. Essas inovações tecnológicas resultam mais da introdução pratica de processos industriais simples e bem conhecidos do que de complexas inovações científicas.

Assim o tratamento de resíduos para reciclagem, reutilização e recuperação dos resíduos sólidos domésticos - RSU, se adotadas tais tecnologias pode agregar valor econômico tornando viáveis as soluções já conhecidas das estações de triagem e retirando das municipalidades o ônus de realizar o tratamento ou a disposição ambientalmente aceitável.

O caso das estações de triagem geridas por cooperativas de catadores que produzem lixo seco e composto orgânico, e que estão sendo inativadas por economicamente inviáveis, exemplifica a necessidade de aplicações dessas novas tecnologias. O lixo seco “sujo” tem valor econômico muito baixo e o composto não encontra compradores.

A “limpeza” do lixo seco através de processos industriais simplificados, como a trituração e lavagem dos materiais plásticos, a moagem dos vidros, a preparação das aparas de papel e papelão, e a digestão anaeróbica do lixo orgânico resultam em valor agregado a esses produtos, capaz de viabilizar economicamente essas estações de triagem, se complementadas com os baixos investimentos que possibilitam tais soluções.

Os gastos adicionais com tais investimentos, além do retorno direto que os justificam empresarialmente apresentam um retorno social e ambiental indireto, de tal ordem, que deveriam ter a maior prioridade dos órgãos públicos na proposição de políticas publicas de defesa do meio ambiente.

Nota-se, no entanto, que existem “gargalos” que vêm obstando o desenvolvimento, a expansão e a sustentabilidade da gestão dos resíduos, especialmente em razão das concepções tecnológicas sobre o papel das cooperativas de catadores. Predomina a idéia de que os miseráveis, quando reunidos em cooperativas continuam incapazes de gerir e operar unidades de processamento mais sofisticado e que não merecem algo a mais do que o salário mínimo. Inaceitável preconceito que impede que lhes seja fornecido o capital necessário para transformar esse grave problema para a sociedade e para o setor público em notável riqueza.

Inconcebível nesta sociedade que um catador de lixo pudesse vir a adquirir um carro novo no final do ano como fruto do seu trabalho manual. No entanto, a riqueza contida no lixo, que somente eles têm condição de se apropriar, não pode ser mobilizada em favor de toda sociedade, apesar de seus custos superarem muitas vezes o capital que poderia lhes ser fornecido.

A solução de estações de triagem com preparação primária do lixo seco e processamento do lixo orgânico, também exige uma forma de organização associativa, que possibilite a industrialização do lixo seco preparado nas estações de triagem para produção de matérias primas industriais, que é a única forma de acesso ao mercado sem passar pelos intermediários, que ficam com as maiores margens de comercialização desse resíduos.

As estações de triagem com uma preparação primária devem ser unir numa rede que possibilite a implantação de uma central de industrialização de matérias primas, que acima de 100 t/dia de lixo seco pode se tornar altamente econômica e trazer altas taxas de retorno ao capital investido.

Os plásticos e o lixo seco em geral podem ser transformados em valiosas matérias primas:
a) A indústria têxtil consome 70% do PET reciclado em forma de fios e a industrialização do PET reciclado em fios é uma tecnologia dominada e acessível;
b) O PEBD – Polietileno de Baixa Densidade das sacolas de supermercado e o PEAD - Polietileno de Alta Densidade reciclados na forma de pellets é importante matéria prima de embalagens de produtos não alimentícios e outros produtos industriais e de novas sacolas. .
c) As sacolas de PEBD dos supermercados, um grave problema ambiental são transformadas em pellets reciclados de amplo consumo pela indústria.
d) As garrafas separadas por cor e moídas são muito procuradas pela indústria de vidro.
e) O papel branco ou colorido, os jornais e papelão se convenientemente processados podem ser vendidos como “aparas” por 70% do preço da celulose.
f) Os metais como as latas de folha de flandres prensados como sucatas para siderurgia, a sucata de cobre tem valor elevado, afora as latas de alumínio com amplo mercado.
g) O lixo eletrônico se convenientemente processado deixa muito componentes de valor econômico.

O lixo orgânico atualmente destinado a compostagem é um sério equívoco. O agricultor tem muita matéria orgânica em sua propriedade para fazer composto e não se interessa em comprar matéria orgânica.

De fato, a atividade de catação se caracteriza, entre outras questões, por ter uma matéria-prima abundante, ainda que misturada com o lixo comum, ser uma atividade rudimentar, sem necessidade de um grau de conhecimento técnico apurado, e, ter um mercado dinâmico, mesmo em tempos de constrangimento macroeconômico. Porém, se as características supracitadas facilitam o ingresso de um contingente populacional de informais cada vez mais expressivo nessa atividade, esta população se encontra desorganizada, trabalhando em péssimas condições de trabalho, vivendo assim, em situação de pobreza crítica e muita miséria e explorada por uma cadeia de intermediários.

Ao se encontrarem desprovidos de capital, instrumentos de trabalho, capacitação e organização social e econômica, os catadores encontram-se submetidos a uma lógica perversa de exploração por parte de intermediários de materiais recicláveis. Mas o problema se agrava sobremaneira quando as políticas públicas entendem que fornecendo um capital mínimo o problema estaria resolvido. O elemento mais importante é o domínio da tecnologia que pode transformar lixo em riqueza para esses catadores.

Em verdade eles dispõem atualmente de uma das mais importantes fonte de matéria prima e não sabem fazer nada com elas. Neste mês de novembro/2009 por decisão do Presidente da República o BNDES agregou mais R$225 milhões em recursos a fundo perdido, ao fundo de apoio as cooperativas de catadores. O resultado será com certeza, o já conhecido, novas estações de triagem sem viabilidade econômica ou cooperativas que reciclam produtos da coleta seletiva e retornam menos de um salário mínimo mensal a seus associados.

Estas sugestões pretendem demonstrar que a viabilidade técnica, econômica e financeira de projetos de separação e reciclagem do lixo urbano e os fantásticos resultados financeiros que podem resultar, permitirão resgatar da miséria e da situação socialmente inaceitável, cerca de 800 mil catadores de lixo em todo o país, além de abrirem novos horizontes para o problema da coleta de lixo pelo poder público.

Os ganhos para o setor público mostram os resultados de uma nova atividade industrial cujos benefícios indiretos superam largamente os fantásticos benefícios diretos. O setor privado é incapaz de realizar tais investimentos, pois, a origem da matéria prima está na mão dos catadores que realizam uma tarefa que repugna a maioria das pessoas e a ela se sujeitam, pela miséria e pobreza extrema em que vivem.

A visão liberal que acompanha a formulação das políticas públicas para o setor, onde os investimentos de capital somente devem ser feitos pelo setor capitalista, impede que novas tecnologias para os RSU sejam aplicadas e demonstradas pelas cooperativas. Um grave equívoco!

Gostaria ainda de comunicar que nesse sentido depositei patente de invenção de um processo e aparelho de produção de etanol carburante a partir do lixo orgânico, tecnologia capaz de resolver economicamente a reciclagem do lixo orgânico e se generalizada duplicar a produção de etanol no Brasil a custos de apenas de 10% do custo de produção do etanol a partir da cana-de-açúcar. O processo de se baseia na biodigestão anaeróbica para produção de ácido acético e sua transformação por fotocatálise heterogênea com luz UV – Ultravioleta utilizando um semicondutor de TiO2 (óxido de titânio).